sábado, 5 de fevereiro de 2011

As Intermitências da Morte, José Saramago - Filosofar é aprender a morrer II

Imagine-se a perturbação, o desconcerto, a perplexidade daquele que ia para o saiu trabalho e viu de repente saltar-lhe ao caminho a morte na figura de um carteiro que nunca tocará duas vezes, a este bastar-lhe-á, se o acaso não o fez encontrar o destinatário na rua, meter a carta na caixa do inquilino em questão, ou introduzi-la, deslizando, por baixo da porta. O homem está ali parado, no meio do passeio, com a sua estupenda saúde, a sua sólida cabeça, tão sólida que nem mesmo agora lhe dói apesar do terrível choque, de repente o mundo deixou de lhe pertencer ou ele de pertencer ao mundo, passaram a estar emprestados um ao outro por oito dias, não mais que oito dias, di-lo esta carta cor violeta que resignadamente acaba de abrir, os olhos nublados de lágrimas mal conseguem decifrar o que nela esta escrito, Caro senhor, lamento comunicar-lhe que a sua vida terminará no prazo irrevogável e improrrogável de uma semana, aproveite o melhor que puder o tempo que lhe resta, sua atenta servidora, morte. A assinatura vem com inicial minúscula, o que, como sabemos, representa, de alguma forma, o seu certificado de origem. Duvida o homem, senhor fulano como lhe chamou o carteiro, portanto é do sexo masculino, e logo o confirmámos nós próprios, duvida o homem se deverá voltar para casa e desabafar com a família a irremediável pena, ou se, pelo contrário, terá de engolir as lágrimas e prosseguir o seu caminho, ir aonde o trabalho o espera, cumprir todos os dias que lhe restam, então poderá perguntar, Morte onde esteve a tua vitória, sabendo no entanto que não receberá resposta, porque a morte nunca responde, e não é porque não queira, é só porque não sabe o que há-de dizer diante da maior dor humana.


O que faríamos, o que aconteceria, como seria o mundo, se soubéssemos quando vamos morrer?

Sem comentários: